MINHAS QUERIDAS NEKOGIRLS,
Vocês tem visto os pássaros caindo do céu recentemente? Uma Gaia mais afável e gentil nos sufocaria durante o sono – cortaria o oxigênio e nos pouparia da dor. Ao invés disso, ela senta ali e quer que nós assistamos a seu sofrimento; ela nos quer olhando para a água turva e nos vendo afogando nela.
Toda civilização tem suas própria fantasia perversa dos fim-dos-tempos. Inevitavelmente, o julgamento vem e nós somos punidas por nossas transgressões, nossas indulgencias. Mesmo as Físicas tem seu próprio fim-dos-tempos: Terra limpa da mesquinha decadência humana pelo apetite carnívoro do Sol quanto queima rumo a sua própria extinção. “Livrai-me da minha própria fraqueza. Remova o véu que me oculta do mundo”
Colapso. Eu amo dizer para mim mesma. Eu estou quicando em minha cadeira enquanto digo, fervorosamente dedando minhas chaves. Eu penso nos abençoados eslavos, sangue Pagão, incorrigível, vertendo às vésperas de Иван Купала, enquanto eles circulam o fogo ardente, fertilizando ventre e terra igualmente. Admita para si mesma, você adoraria ver tudo queimando em uma pira, só para dar as boas-vindas ao calor purificante do verão Solar. Anon, você não quer correr pela floresta pelada comigo? Nós podemos acordar juntas e ver o Sol tomar conta do vale, acordar como amantes, renascidas numa temporada de luz.
Uma amante da história, cheia de sentimentos poluídos, deve amat fati. Ela que estuda o passado deve ter ao menos alguma crença na recorrência eterna; ela busca o documento, com lágimas nos olhos murmura: “Oh, céus, está acontecendo de novo…” e continua acontecendo. E em cada recorrência, o homem revive seus erros. Saber disso é o maior de seus fardos, a maior de suas fontes de impotência. O Apocalipse nos alivia dessa impotência –– por definição, pode apenas acontecer quando o véu é despido, quando não se pode mais vesti-lo novamente. É por isso que eu não cultivo nenhum respeito, absolutamente nenhuma simpatia, por pequeninos ladrões mesquinhos que pilham o passado, vestem suas lutas & superstições como adereços tão apertados que sua gordura escorre sob eles. Eu não preciso nomeá-los: homens pequenos e patéticos, nos entediando com suas longas postagens sobre força & tradição mesmo quando nem um único deles resistiria se forçado à subserviência como um catamita sob um homem mais rico e poderoso. Não –– uma verdadeira tradicionalista dá as boas vindas ao fim deste mundo maléfico, não importa qual bandeira é hasteada sobre Constantinopla. Uma verdadeira tradicionalista não diz não, ela diz sim.
“Mas dizei-me, irmãos, o que pode fazer a criança, que nem o leão poderia fazer? Por que o leão rapace ainda tem de se tornar criança? Inocência é a criança, e esquecimento; um novo começo, um jogo, uma roda a girar por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer-sim. Sim, para o jogo da criação, meus irmãos, é preciso um sagrado dizer-sim: o espírito quer agora sua vontade, o perdido para o mundo conquista seu mundo.1”
“Qual a porra do seu problema?” Bem, eu não gosto de nada –– nem mesmo pornografia de armas ou orifícios. Eu não tenho contemporâneos, exceto por nossas maravilhosas contribuintes. A cínica “indústria mundial” que a publicação se tornou inspira a mim nada além de repulsa, inteiramente composta por liberais-conservadores moralizantes que se intoxicam ao delirium pelo mais vago cheiro de valor monetário. O pecado deles é o mais grave pecado de todos: nostalgia; não se deixe enganar, por baixo do lúcido Tradicionalista e do Marxista de fim de semana se propaga a mesma doença –– medo de qualquer coisa para além da estagnação no esgoto do passado. Eles vivem suas vidas inteiras com medo, atirando-se aos espasmos ao redor das migalhas e dizendo “fique fora disso!” É o dever de toda NEKO GIRL mergulhar o pé nessas migalhas, sem demonstrar nenhum interesse por aquilo que se deleita com inferioridade autosatisfeita. Oh, mas e a nossa raça? Oh, nosso gênero. Nossa terra e nosso povo. Nosso movimento, nossa luta e trauma. Oh, a maravilhosa arquitetura, nossos sagrados heróis. Se apenas você pudesse sentir o deleite do meu orgulho.
“O sentimentalismo, a exibição ostentosa de emoção excessiva e espúria, é a marca da desonestidade, da incapacidade de sentir; os olhos rasos d’água da pessoa sentimental traem sua aversão à experiência, seu medo da vida, seu coração árido; é sempre, portanto, sinal de uma desumanidade secreta e violenta, a máscara da crueldade.2”
–– James Baldwin
Então, se você escolhe tomar parte nessa pilhagem, elevar-se sobre a mediocridade constantemente catapultada em nossa cara pelos “sistemas de contra-entrega––“ se você escolhe dizer “sim;” e por ao lado a repugnante, negadora-da-vida e insegura obscenidade que é “não”, por que não enviar o seu melhor para:
submissions@nekogirlmagazine.com?
Então agora eu me ofereço em suas mãos, querida LEITORA. Eu estou pronta, esperando. E claro, sempre disposta. Venha me pegar. Se você quiser.
Para sempre sua,
Nevada-Tan.
“e aí pedi com os olhos pra ele pedir de novo sim e aí ele me perguntou se eu sim diria sim minha flor da montanha e primeiro eu passei os braços em volta dele sim e puxei ele pra baixo pra perto de mim pra ele poder sentir os meus peitos só perfume sim e o coração dele batia que nem louco e sim eu disse sim eu quero Sim.3”
Assim Falou Zaratrustra, I: Sobre as Três Metamorfoses [Nota da Tradutora: para as citações, procurei traduções em português quando se trata de alguma obra já traduzida, principalmente se tratando de obras que não foram escritas no inglês, para evitar traduções secundárias. Na referente citação de Nietzsche, a tradução é de Paulo César Lima de Souza. Também tomei a decisão de traduzir os paratextos, como a própria citação, tal qual eles são apresentados na edição da revista, deixando quaisquer adições para comentários em nota, separados do paratexto original pelo uso de colchetes]
James Baldwin “O romance de protesto de todos”, Notas de um filho nativo. [Tradução de Paulo Henriques Britto]
Ulysses, James Joyce. [Tradução de Caetano W. Galindo]